Não exista quem chegue na Rodoviária do Tietê e não se espante com seu tamanho. Não na primeira, nem nas primeiras vezes.
Calma não é uma palavra usual por aqui. Todos os dias, milhares de pessoas vem e vão, até mesmo a trabalho, em longas fileiras de ônibus.
Pessoas chegam ou partem, sós e acompanhadas, algumas se encontram com entes queridos e é nesse pensamento que a senhora, sentada em um dos muitos bancos de espera, tem, quando vê o homem olhando para a área de desembarque, nervoso.
Não tem como não notar, um exame mais de perto mostraria mãos frias, dificuldade de ficar parado e os ombros erguidos, tenso, na expectativa.
Agora, quem era que ele esperava, ela só poderia supor. Um pai esperando os filhos? Um marido esperando a família? Quem sabe um namorado esperando a amada?
Quando seu sorriso se abre, ela nem tem dúvidas que a espera acabou. Uma moça muito bonita, mais jovem do que ele, mas não muito, ela era velha o suficiente para notar, sem maldade, as pequenas marcas que indicavam que ela era jovem, mas não mais na casa dos vinte, não mesmo. Depois dos trinta.
Quando eles se abraçam forte, ela se jogando nos braços dele, seu coração fica feliz. Namorados!
Mas ela toma um pequeno susto quando ela escuta a voz dele, pouco antes de um beijo estalado na bochecha:
— Maninha! Quanto tempo!
Ela faz bico:
— Tanto tempo e ainda “maninha” é?
Ele dá uma gargalhada gostosa. Olha bem para ela, mas não vendo o hoje, disso ela entende, olhos que veem o passado, as coisas como eram.
— Vai sempre ser maninha para mim! Fique feliz que não faço mais cócegas!
Ela até tenta fazer uma cara de emburrada, mas chega a ser engraçado, quando diz:
— Não se atreva!
Ele deu um passo pra trás, olhou-a de alto a baixo.
— Você está mais bonita! Como pode?
Com cara de brava, ensaiada cuidadosamente, ela responde:
— E eu lá era feia?
Vermelho! Ele ficou vermelho!
— Não é isso, é que você era tão magrinha e não tinha tanto…
Ele quase engasgou, mas ela simplesmente continuou:
— Não tinha tanta banha!
— Banha?!?! Tá doida?
Quando ela riu, dando tapinhas na lateral, ele bufou rindo e disse:
— Vamos! — Ele faz questão de puxar a mala dela.
Infelizmente, a senhora não sabe o resto da conversa, eles se afastam e ela ainda se diverte um pouco, com ela tentando recuperar a mala, provavelmente com a conversa de mulher forte e independente das jovens de hoje. Como ela previu, o esforço era só fingimento. Ela deixou. Segurou firme no braço do irmão e olhava para ele com admiração. Será que ela via aquele homem que deveria chegar nos quarenta, com alguns poucos e quase invisível pelos brancos na barba e ela não tinha certeza se tinha alum fio branco no cabelo, ou alguém bem mais novo?
*****
A conversa dos dois, após subir a escada rolante, ainda era animada. Mesmo o tom de briga, não era mais sério do que o sorriso estampado no rosto e nos olhos dele.
— Você deveria ter me deixado te dar a passagem! Você estaria aqui em pouco tempo!
— Vai sonhando! — Ela parecia um pouco mais séria, mas ainda estava radiante, seus olhos verdes, ainda grudados nele. — Provavelmente eu teria desmaiado antes do embarque e seria um problema maior. Além do mais, posso muito bem pagar minha passagem e eu vim escurando isso!
Da lateral da pequena mochila em suas costas, ela puxa uma relíquia. Um aparelho K7 e tinha uma fita dentro! O fone era bem moderno, de prender na orelha, e ela apertou o play e colocou um dos fones no ouvido dele.
A reação dele foi exatamente como ela sonhou desde que achou aquilo, um mês antes e mandou reformar. Seu queixo caiu, seguido por uma risada gostosa, que ela sentia falta tanto quanto um mergulhador poderia sentir falta de ar fresco no fundo do oceano. O comentário seguinte, dele, também correu com esperado:
— Não pode ser isso é o…
— Sim! — Ela tinha prometido que não, mas deu pulinhos – Eu achei a fita que você me deu lá em 97!
Um desnível no chão quase acabou com a mágica, mas ele estava tão espantado, que ignorou o desequilíbrio e continuou:
— Isso deveria ter mofado, sei lá, uns dez anos atrás, com sorte. — Ele estava sério, lógico como sempre, mas somente sorriu e deu de ombros — Você deve ter feito algo e aqui está. Não preciso saber tudo!
Por um momento, ela ficou tensa, o irmão sério, lógico era a raiz de tantos problemas, mas ela sabia que ele havia mudado. Era a primeira vez, desde que eles eram adolescentes, que ela o via de cabelo comprido. Bom, ele parecia tentar, pelo menos, ainda faltava um bocado para comprido mesmo; ao abraçar, ela viu uma ponta de tatuagem no braço direito e, finalmente, o sorriso e a falta de necessidade de saber tudo.
Ainda assim, foram vinte anos desde que… desde que tudo aconteceu. Ela não queria pensar nisso, queria somente aproveitar.
— Ei, psiu, maninha, achei que perder-se em pensamentos era marca registrada minha!
Oh droga, aquele olhar doce e fraternal. Ele mudou mesmo o sorriso original voltou! E ela não podia compensar melhor do que com um largo sorriso e um abraço mais forte.
— Que nada! Você abriu mão dos direitos e agora qualquer um pode!
O Uber chegou, e ele, como sempre, fez questão de abrir a porta e que ela entrasse primeiro. Depois viu ajudar a colocar as coisas dela no porta-malas. Ao voltar, confirmou o endereço e foram.
A conversa girou em torno de amenidades, ela queria saber muito sobre a nova carreira de fotógrafo e ele queria saber como estavam as coisas na cidade dela. Ele não se aprofundou muito, falou de amenidades, de churros, que ela ficou feliz dele ainda adorar e coisas bobas. Afinal existiam mais de duas décadas de arrependimentos e, a última coisa, era puxar isso para um momento tão divertido.
Na chegada ao prédio, ele fez questão de apresentar a irmã ao porteiro. Avisar que, qualquer coisa, ela poderia entrar sem precisar avisar.
Ela notou que era um lugar tranquilo, mesmo sendo no centro, ele só anotou o primeiro nome dela como convidada dele. Assim os outros saberiam também.
O apartamento era diferente do que ela imaginara. Ainda bem sóbrio, mas coisas como um monte de material fotográfico em cima da mesa da sala, uma… Algo que ela achava ser uma lança indígena. Não era grande, ele avisou, mas era aconchegante.
Talvez um senso de urgência, mas ele logo veio falando sobre onde ela poderia deixar a mala, no quarto principal e ele não aceitaria qualquer não ou reclamação. Existia um pedaço do armário só para ela e que ela poderia se arruma e trocar em paz. Saiu, fechando a porta.
Ao escutar que ele se afastou, não resistiu. Foi fuçar. Esse era o trabalho de uma irmã. Além da roupa de banho em cima da cama, tudo parecia pronto para ela. Nada ali parecia lembrar a ex-esposa, mas ela encontrou um bocado de roupas dele. Em seus pensamentos, ela fazia um pequeno discurso “Aqui, senhoras e senhores, temos a prova que não são somente as mulheres que juntam roupas”. Quando ela achou uma camiseta, parecida com a branca que ele estava usando, não resistiu e cheirou. Não era o cheiro dele, diretamente, mas era, dele! Será que faz sentido? Colocou tudo de volta enquanto uma ideia, que ela poria em prática, se formou em sua mente.
Alguns minutos depois, ela encontrou o irmão, em um quarto de hóspedes, que era, na verdade, um cômodo de empregada, mas bem arrumadinho.
— Ei, irmãozinho, onde é o banheiro?
Tudo bem que ela havia passado o banheiro, mas tomou todo cuidado de fechar a porta, sem fazer barulho, só para pode perguntar.
— Eu achei que tinha…
Ele virou-se para responder, mas parou. Ou seria melhor dizer, congelou? Ela estava de toalha, tão somente de toalha, presa o mais baixo que seus seios permitiam sem ser vulgar. A mania do irmão, de toalhas do tamanho de um pequeno continente, ajudou, se bem que ela gostaria muito de ver como seria a cara dele se ela tivesse achado uma toalha normal, que não cobriria tanto assim. Como a maldade final, ela perguntou no tom mais inocente possível.
— Tinha… — A recuperação foi rápida, ela não esperava menos. — Vem, eu te mostro o banheiro.
E passou por ela sem olhar novamente.
O banheiro parecia ter sido reformado a pouco tempo. Um box enorme e muito espaço, típico de prédios antigos. Típico de prédios antigos.
— Eu nunca vou te perdoar, eu vi a foto da banheira e quase chorei, sabia? — Ela fez um bico tão convincente quanto uma nota de três.
— Na próxima eu explico pra senhora do andar debaixo que ela pode esperar um pouco, já que um dia minha irmã ia querer usar minha banheira com encanamento vazando… Agora vamos que temos que passear um pouco antes do jantar!
Antes de sair, ele mostrou a tranca. Obviamente, ela fingiu trancar a porta e foi para o banho.
Longos minutos depois, ela saiu de toalha, mas como ele não estava a vista, e ela não tinha mais desculpas, ela foi se trocar. Com o calor, pode colocar uma saia preta curta, uma blusinha regata e uma sapatilha confortável. Enquanto se maquiava, e o quarto contava com um enorme espelho de parede, ela se divertia.
Fazia quantos anos que ela não sentia-se tão sexy? Ter filhos pode dar problemas para o corpo feminino, mas o aumento nos seios era um bônus sem silicone. Ela quase colocou um sapato de salto, mas eles já tinham altura próxima e a ideia de poder olhar o irmão de baixo para cima era estimulante.
Quando saiu, ela ficou satisfeita com a reação do irmão, olhando, mas tal também não pode deixar de se perder um pouco. Ele podia ter ganho um pouco de peso, aquela porcaria de escritório, ainda bem que ele saiu, mas estava com uma bermuda que deixava suas pernas fortes a mostra e uma camiseta branca, será que ele só usava branco? Opa! Branco transparente? Quando ele se virou para pegar algo imaginário na mesa, ela pode ver a tatuagem nas costas. Pelo Facebook foi uma coisa, mas ao vivo era mais interessante. Continuava com ombros largos, fruto de tantos anos de natação da infância até boa parte da adolescência.
Ele falou algo.
— Ahn? — Ela queria fazer essa de propósito, mas realmente estava distraída e não escutou.
Ele limpou a garganta a falou um pouco mais alto e mais rápido.
— Você está linda.
Ela estava preparada. Mas não. Só ficou vermelha e demorou para responder, o momento passou, só que era obrigação falar:
— Ganhou peso!
Quando ele virou, ela ficou com medo de ter estragado tudo. Ele só sorriu, bateu na barriga e comentou, de bom humor:
— Mas minha amiga vai sumir, preciso de mais exercícios. Falando nisso vamos?
Inicialmente sem maldade, ela pegou a mão dele, mas quando ele dobrou o braço, viu que era um pouco demais. Não satisfeita, ela se abraçou forte nele. Saíram do prédio e ele nem conseguia olhar na direção dela sem riscar os olhos para baixo.